domingo, 31 de março de 2013

Sentimento que persiste

Tumblr_mgdo8tumoy1rjbjpco1_500_large

Ouvia-se o cantarolar das cigarras ao passo que se pressentia o sussurrar das folhas em toda a cidade, a Lua atingia o auge no céu enquanto corações dóceis sem dono, ainda acordados, aguardavam que esta lhes segredasse um vocábulo de alento.
Ali estava eu, sentada no imenso banco de jardim, quase adormecida com a simplicidade e perfeição das infindáveis estrelas. Os olhos captaram breves laivos de luar e, por momentos, interroguei-me se ele sonharia ainda comigo. Deixei-me inundar por pedaços de noites de amor memorizadas, beijos trocados no segredo de um olhar e palavras outrora proferidas por lábios doces de poeta. Tudo era passado até então, mas estar recostada no banco onde nos costumávamos abraçar durante horas fez-me recordar a sua alma. Era fácil abstrair-me de todo este sentimento quando me encontrava fora da cidade, mas as letras do seu nome permaneciam escritas no meu coração e não pareciam querer de lá mais sair. O difícil era decidir se havia de não pensar mais nele ou se, por outro lado, havia de amá-lo para sempre.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Morcegos de partida

Tumblr_mdmotpi5yv1qhavevo1_400_large

Passava dias e noites a escrever para os belos malmequeres do jardim. Pouco falava e, quando lhe imploravam que o fizesse, cantava. Tocava violino por entre marés da dor de quem procura uma alma longínqua nos dias mais lúgubres como eram aqueles pelos quais passava. Quando compunha melodias de angústia e cansaço quase que sentia borboletas sobrevoarem-lhe a cabeça. Já não mais gostava de falar, só o fazia com os melros que passavam tardes a passear e, por conseguinte, a pipilar pelo seu jardim fora. Cor de ouro, dizia quando lhe perguntavam qual a cor dos seus cabelos. Adorava o mar e dizia-se pelas ruas da cidade que quando admiravam minuciosamente os seus olhos era possível senti-lo. 
A tia havia partido há meses e ela sentia morcegos pousarem-se-lhe no pescoço desde a noite em que ela partira. Dormia amedrontada e chorava rios de saudade quando nela pensava. Voavam-lhe os cabelos, era despida pela Lua e deixava a alma cair sempre que em memórias de outrora se deixava tropeçar. E os céus choravam com ela, enquanto a vislumbravam  dolorosamente perder-se de si.

domingo, 24 de março de 2013

Um amanhecer de ternura

Tumblr_miu6x8ew3n1rfqas1o1_500_large

Dizia que precisava de estar sozinha em tons fatigados de ternura e eu dava-lhe o espaço que me implorava que lhe desse. Sabia do que precisava, mas era incapaz de a ver sofrer apenas com os céus como alento. Quando chorava, a minha alma caía e quando dizia não aguentar mais, eu deixava-me desabar com ela. Tinha uns olhos grandes e expressivos, capazes de contar longos poemas entre as estrelas e a Lua quando os admirávamos ao pormenor. E eu não sabia se a havia de deixar ali a falar com a Lua se havia de voltar para a ouvir e abraçar nos períodos em que tudo o que se ouvia era a nossa calorosa respiração. Eu sei que quando ela me diz para ficar longe é quando mais de mim precisa e é certo e sabido que não a vou deixar sofrer sozinha. O coração doía-me e os olhos chamejavam da agonia que era vê-la mergulhar a alma em rios de saudade. Soltei o cabelo e apreciei o calor que se instalara na cidade naquele momento, olhei o céu, agora em tons rosados, e deixei-me voar ao sabor das folhas que não cessavam em andar aos rodopios. Ainda pensei em passear os dedos pelo piano na tentativa de compor algo que a trouxesse de volta ao meu colo gelado, mas já tardara e toda a rua dormia em silêncios longe de poderem ser quebrados. Vislumbrei o Sol nascer ao longe e, numa cantiga breve de um melro que se instalara a meu lado, entendi que havia de correr para ela. Calcei as botas sujas de   saudade e corri o mais rápido que pude, abracei-a na fervura de uma amizade infindável e quase vi um sorriso esboçar-se. Não deixarei que sofras - disse-lhe num suspiro soluçado ao ouvido. E, nesse mesmo nascer do dia, o melro cantou-me que tinha a melhor amiga de sempre. Eu assenti com a cabeça, como quem ouve algo já sabido e decorado, e abracei-a novamente. E sorrimos.

sábado, 23 de março de 2013

Amizades de inverno


Ela contara-me que se sentia só, um dia, num dos tantos luares frios de inverno. Dissera-me que se via ao espelho como uma única pétala de rosa deixada cair, um pedaço de chão pisado por ninguém. Sinto-me vazia, dissera-me quando os soluços cessaram finalmente. Não estás sozinha, respondi, dirigindo-lhe o olhar em tons de ternura. De quando em quando penteava-lhe os lustrosos e rútilos cabelos de menina, como quem aconchega um coração com uma tão-somente chávena de chá. Pedi-lhe que conversasse comigo, mas rapidamente entendi que tudo o que ela mais queria era escutar a interminável cantiga das cigarras que a embalava em cigarros de noites infindáveis de verão. Eu sabia que a fazia sentir-se melhor, então abraçava-a e permanecia em silêncio durante longos períodos de tempo. Quando a observei minunciosamente, na noite, vi uma alma débil e despida implorando por companhia num suspiro noturno quase inaudível. Ali permanecemos sentadas nos ramos baixos de um antigo carvalho-branco, eu na esperança de a ver renascer e ela a chorar nos meus braços. O.

sexta-feira, 22 de março de 2013

O rio

Tumblr_mjwe0vwhlp1r0oqiso1_1280_large

Ali permanecias sentado, quase adormecido com o pipilar das aves e o maravilhoso movimento das calmas águas do rio. Estava um dia gelado e havias acabado de fumar um cigarro e trazido a guitarra para o teu acolhedor colo. Tocavas numa maresia discreta, num olhar de poeta, enquanto vislumbravas os barcos atracarem. O som dos teus dedos a tocar as cordas da guitarra ouvia-se nos arredores e fazia-se sentir até à mais longínqua casa daquele pedaço de rua. Inspiravas-te com o bater das asas das gaivotas e abrias o coração ao rio sempre que vias um peixe que se deixava mostrar aos calorosos observadores da cidade. Estavas sentado havia horas, sempre na mesma posição e de queixo caído com a beleza da Natureza naquelas manhãs frias em que poucos tinham a coragem de sair à rua. E tocavas, tocavas até despertar a cidade numa melodia bem-disposta de quem ama um rio com a alma. Eu ali permaneci, cúmplice dos teus olhos e apreciadora da tua música. Cerrei os olhos num instante e quase que senti o calor dos teus dedos tocarem-me a alma.

terça-feira, 19 de março de 2013

Prometo


Hoje és inverno e lágrimas de borboletas deixadas cair na infinidade de uma noite. Parece mentira, ainda - dizias-me com os teus olhos enormes e escuros de quem esconde um mar de dor. Trazias um ar cansado e falavas pouco, somente quando te questionava. Liguei o rádio para ver se sorrias, em vão. Cantavas poemas num só pestanejar e levavas-me contigo sempre que optavas por não dizer nada. Vai ficar tudo bem, acredita em mim. Tens uma estrela a olhar por ti todos os dias e, oh, não verbalizes que não fizeste tudo o que devias ter feito, porque és maravilhosa. Espero que nunca te aconteça nada - dizias-me num suspiro. E eu espero que a tua dor termine hoje - respondia-te. És uma melodia de bondade, um pedaço de mel e, agora, um suspiro triste de inverno. Adormeceste e eu rezei para que ficasses bem, pois era tudo o que eu mais queria. Dói-me saber que estás nesse estado sombrio e lastimoso e que não pude contrariar nada do que se sucedeu. Tenho os olhos inchados de imaginar a tua agonia e de chorar noites sem fim. E a Lua segredou-me que a pequena estava a adorar-te no seu tórrido colo. Vais voltar a sorrir. Eu prometo.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Caminhadas de amor


Nunca tínhamos conversando tanto nem murmurado tantos pássaros ao ouvido. Sentia-me bem, realizada. Tinhas as cores da primavera e a doçura da época natalícia; mesmo que essa já tivesse passado há muito, tu insistias em conservar esse espírito. Andavas na leveza de uma brisa de inverno e aproximavas-te com olhos de amor numa breve expressão de afeto. Dá-me a tua mão, vamos passear - dizias-me e levavas-me sem eu dizer sequer uma palavra. E voavam-me borboletas pela alma e fazia pliers pela calçada e brincava às escondidas com as gaivotas. Tinhas-me nas tuas mãos como os céus têm as estrelas e eu apreciava cada carícia que davas ao meu quebradiço coração enquanto lias. Estávamos felizes, loucos de alegria, na verdade. Porque um coração outrora magoado ama sempre mais do que qualquer outro que nunca tenha pisado os jardins do sofrimento. Éramos mar, cigarros nunca apagados e duas mãos entrelaçadas para sempre. Foi no fim deste passeio que te disse o quanto te amava num sussurro poético ao deitar. E cantaste para mim.

domingo, 17 de março de 2013

Toda a noite


Deitaste-te a meu lado e inalaste-me durante toda a noite. Não havia velas nem champagne como nos filmes, muito menos morangos que eu detestava. Era inverno e estávamos ambos doidos de frigidez, eu mais que tu, talvez. Tinha aquele malmequer no cabelo que me puseras naquela tarde no jardim de tua casa. Estás linda - dizias, enquanto me beijavas minunciosamente a cara e o pescoço. Eras a minha casa, o meu jardim de túlipas e o mar que ansiava sempre por conhecer cada vez mais. O dia não estava nada alegre, mas a noite trazia-nos aquele prazer e mistério tão característico das noites de inverno. Li-te o olhar como quem escreve poesia e dancei sobre o teu corpo, e beijei-te, mais tarde, enquanto dormias. A Lua estava cheia e o céu negrume e repleto de estrelas. Nunca soube identificar a Estrela Polar - confessava-me aos céus. Passei toda a noite acordada a observar o teu corpo despido e apaixonante como um daqueles livros de romance que a mãe lia. Passaste a noite acordada? - questionaste-me, pouco depois de ver a cor dos teus olhos. Prefiro ver-te a meu lado do que sonhar contigo - disse-te. E dançámos mais uma vez.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Sem casa

Tumblr_mjnsdayiej1r0o3jvo1_500_large

Na varanda a falar com a Lua; era só mais um de tantos dias. Perdia-me em caminhos nunca antes percorridos e despia-me em cada palavra que sussurrava na noite. Imaginei-te sentado a meu lado em tons primaveris e a cheirar a flores; era bom demais. Rasguei a folha de carvalho escrita de memórias, lágrimas e poemas cantados pelo pai e decorados por mim. A dor não era suportável e, por momentos, imaginei-me a dançar contigo e a cantar-te ao ouvido. Vi-nos a correr pelo bosque que sempre sonhaste conhecer e pela floresta que tanto me amedrontava, sempre de mãos entrelaçadas e de corações abraçados. Tentei falar, mas não tinha voz, e foi aí que toquei para ti. Entrei e despi o casaco que me ofereceras, em jeito de remover o teu cheiro a ternura dos meus braços. E toquei até adormecer, até à Lua se perder nos meus dedos. Mas sem nunca me perder de ti.

terça-feira, 12 de março de 2013

Maldito sentimentalismo

Lt3-beautiful-blossom-floral-favim.com-653016_large

Voei ao sabor do vento e caí no preciso momento em que se ouviu trovejar. Chamei por ti mas não apareceste, até te cumprimentei mas não obtive resposta alguma. Encostei-me aonde pude e chorei como quem não o faz por querer, mas por alívio. Sentei-me sobre o chão molhado, enquanto caminhavas rumo a não sei onde com o teu tão característico ar sombrio, incógnito e misterioso. Não falei, não o quis fazer, e ali permaneci a vislumbrar a interminável dança das aves em busca de alimento. Chovia e eu tinha a camisa branca encharcada, tinha levado a que mais gostavas só para que me visses. Estava um ar gelado e as borboletas murmuravam-me palavras de força ao ouvido. Refugiei-me atrás dos meus cabelos e chorei enquanto era certo que ninguém se avistava. Estava escuro e já tinhas ido. Talvez eu sinta demasiado as coisas e seja mesmo esse o problema: o meu maldito sentimentalismo. Não quis mais ver-te e tirei todos os livros da mala como quem remove um homem do coração. Pedi à Lua que me ajudasse, num gesto de quem o Céu tem por amigo. Subitamente, correste na minha direção e sentaste-te a meu lado, eu deitei-me sobre ti e disseste-me - Não estás nada bem - eu implorei para que me abraçasses e tu fizeste-o mesmo no compasso de tempo que eu idealizara. Sobre ti, cerrei os olhos e adormeci a horas tardias. Foi a primeira vez que chorei por ti.

domingo, 10 de março de 2013

Melodia

Tumblr_mjf6djivis1s5co9vo1_500_large

Não sei o que sinto nem, tão pouco, a cor do meu coração. Sinto-me quente como não me sentia há séculos e repleta de alacridade que me preenche. Corpo e alma. Há dias, quando olhava nesta direção via nuvens sombrias e pássaros a cantarolar o ruído da tristeza, mas, agora, já só vejo doces magnólias e oiço o maravilhoso pipilar das aves. Tudo mudou. Aí vem ele, trazendo consigo uma expressão de felicidade capaz de ser sentida do outro lado da cidade e os seus atacadores do pé esquerdo desabotoados - o habitual. Corri na sua direção e os cabelos esvoaçaram-me para as costas, resultado da força do vento que se instalara. Ele olhou-me como quem canta poesia num olhar e eu dei-lhe um beijo no ombro descoberto. Abraçou-me tocando-me as costas e beijou-me até não poder mais. Sentámo-nos no banco de jardim, por fim, cansados de correr como duas crianças acabadas de sair da escola e doidas pela hora do lanche. Deitei-me sobre o seu peito e ali permaneci, a ouvir a melodia das cigarras até anoitecer. E, por alma do destino, a sinfonia dos nossos corações.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Nem uma palavra

Tumblr_mj1nyqbgra1rfb7c8o1_500_large

Um arrepio no peito como mil pássaros que voam num breve esvoaço de frescura e um sorriso que se brota, involuntariamente, vindo de não sei onde; aí vinhas. Ouvia o A Thousand Years enquanto chegavas, aquela música que já tanto me fez chorar, e passeava-me em ti. Estranho, não é? Chovia e não havia já vestígios de Sol há muito e, quando tinha frio, lembrava-me sempre de ti. Cumprimentaste-me num toque de quem procura um coração e eu olhei-te como quem entrega, docilmente, a alma. Sentaste-te a meu lado e eu inalei-te, acabando por render-me. As folhas caíam a uma velocidade indeterminável e o céu escurecera bastante. Implorava por um pedaço de amor teu, por uma pétala de malmequer caída ou até mesmo por um poema proferido num suspiro ao ouvido. Ouvia agora o Give me Love e era tudo o que sentia quando os meus olhos caíam sobre ti. 
Tenho medo de amar, de cair num oceano sem fundo e de desaparecer, mais uma vez. Uma folha tocou-nos ao cair e tu falaste-me na doçura e alento de um olhar. Eu sorri-te, sem nunca dizer nada. Mesmo sabendo que eras tudo o que eu mais queria.

domingo, 3 de março de 2013

Quando se ama

Tumblr_m8e8e2give1qc7dgao1_500_large

Ele cheirava a outono e a poemas cantados pela Lua numa destas noites. Ela inalava o seu cheiro a árvores e a flores inquebráveis e viajava no universo sem fim que era o seu corpo. Percorria o seu tronco só com um dedo e beijava-o minunciosamente como quem beija o mar - chegava até a passear os dedos por aquela cicatriz que tanto o caracterizava, quando ele fechava os olhos. Entregavam-se um ao outro no cair da noite e riam de prazer pelo mero facto de se terem um ao outro. As palavras eram poucas - quase nulas -, e ele era quase tudo para ela. Estava deitada sobre ele e beijava-lhe o peito, enquanto se entregavam um ao outro sem medos nem receios. Eram pétalas brancas desenhadas durante horas e palavras ditas na alienação de uma noite. Eram um amor nunca esquecido mergulhado no delírio dos mares. E é isso. Eram amor.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Promessas levadas pelo vento


Tumblr_mizghy2ryx1rhmxy6o1_500_large

Voava em mim como um pássaro louco enquanto vislumbrava a Lua cheia da janela. Todo o quarto me envolvia em promessas desfeitas no segredo de um olhar, de quem chora de saudade mas esconde. E agora tu és uma promessa desfeita num pestanejar dorido e amargurado. Prometes?, dizia. Respondias-me no alento de um sorriso e eu sentia-me em casa, quente como longos dias de verão. Ainda cá estavas e víamos o por do sol juntas e corríamos doidas de alegria, repletas de sorrisos que nem nos cabiam na alma. Tocávamos piano juntas e fazíamos música numa poesia discreta que se escondia nos recantos dos teus olhos. Agora omites-me o que sentes e eu choro por não te ter. Corria por jardins de rosas caídas e desformes na frieza de uma noite e gritava por socorro num suspiro inaudível de cansaço. Corria para chegar até ti, mas não te encontrava. Estavas longe e eu sonhava, um dia, abraçar-te ao por do sol novamente.